Os dados do
IBGE mostram continuidade da tendência declinante da taxa de desemprego no 1º
trimestre deste ano. Em fevereiro a taxa atingiu 5,7%, 0,7 ponto percentual
abaixo do verificado em igual período de 2011. Em termos sazonalmente ajustados
a taxa de fevereiro não é apenas ligeiramente inferior à de janeiro como a
menor de toda a série histórica, iniciada em 2002. O recuo do desemprego não é
propriamente algo novo no Brasil. Desde 2003, a tendência tem sido declinante
durante a maior parte do tempo. Contudo, a persistência da queda nos meses
recentes é algo surpreendente à luz do arrefecimento da atividade econômica em
2011, notadamente na segunda metade do ano. Como em geral o mercado de trabalho
reage com certa defasagem ao ciclo econômico, pareceria natural que houvesse
alguma reversão da queda do desemprego. Talvez isto ainda ocorra nos meses à
frente, mas os números recentes têm sido recebidos, de qualquer forma, com
certa surpresa.
Diante disso,
alguns analistas tem sugerido que a elevação do desemprego teria sido impedida
pela resistência das empresas em demitir. Segundo essas análises, mesmo diante
de menores níveis de demanda e ajustando para baixo seus níveis de produção, as
firmas teriam optado por não demitir. Isso se justificaria pelos elevados
custos de demissão e contratação, em um contexto em que haveria percepção de
uma desaceleração apenas temporária da atividade econômica. As empresas
prefeririam, então, reduzir as horas trabalhadas (por exemplo, cortando horas
extras ou promovendo férias coletivas), mas manter inalterado o seu quadro de
funcionários.
Tal hipótese,
caso se revelasse correta, teria duas implicações importantes. Em primeiro
lugar, o mercado de trabalho estaria menos apertado do que poderíamos supor se
considerássemos apenas a taxa de desemprego. Alguns trabalhadores, embora
mantendo seu emprego, estariam produzindo menos do que poderiam, por estarem
parcialmente ociosos. Caso houvesse uma nova fase de aceleração da demanda,
deveríamos esperar que as firmas pudessem elevar seu nível de produção sem que
fosse necessário expandir o nível de emprego.
Análise sobre aperto do mercado de
trabalho deve ter um conjunto de indicadores, não apenas a taxa de desemprego
Em segundo
lugar, argumentam esses analistas, o poder de barganha dos trabalhadores
deveria ser função não apenas da taxa de desemprego, mas do grau de ociosidade
do mercado de trabalho em termos mais amplos. Por exemplo, trabalhadores que se
veem em férias coletivas se sentiriam menos confiantes para reivindicar
aumentos salariais do que se estivessem sendo chamados a expandir sua jornada
através de horas extras. Nesse sentido, deveríamos esperar que, mesmo com a
taxa de desemprego muito baixa, houvesse uma diminuição das pressões salariais.
Estamos de
acordo com as duas potenciais implicações da eventual resistência à demissão
pelas firmas, à qual chamaremos de hipótese de retenção. Resta avaliar,
contudo, se há evidências de que este fenômeno esteja, de fato, acontecendo.
Deveríamos esperar, caso houvesse retenção, que o baixo desemprego fosse
acompanhado de alguma redução da jornada de trabalho. Contudo, os dados não
apontam nessa direção: nos dois primeiros meses deste ano a média das horas
habitualmente trabalhadas por semana apresentou, de acordo com o IBGE, ligeira
elevação em relação a igual período do ano passado. Ao contrário do que
deveríamos supor em um cenário de retenção, não parece haver evidências de que
as firmas estejam utilizando seus trabalhadores de forma menos intensa.
Adicionalmente,
deveríamos esperar que as firmas, embora resistissem a demitir seus
trabalhadores, se mostrassem menos propensas a fazer novas contratações.
Afinal, qual seria a razão para incorrer nos elevados custos de contratação se
o quadro atual já estivesse com ociosidade anormalmente alta? Ocorre, porém, de
acordo com os dados do Caged, que as contratações nos dois primeiros meses
deste ano estiveram 1,6% acima do nível verificado em igual período do ano
passado. Adicionalmente, os dados do Caged nos mostram as demissões em níveis
historicamente também elevados. Vemos, portanto, um quadro em que o nível de
emprego cresce em meio a intensa atividade de contratações e demissões, que
denota grande dinamismo no mercado de trabalho e não parece ser compatível com
um contexto no qual as firmas manteriam seus trabalhadores apenas para evitar
os custos elevados de demissão e contratação.
Por fim, a
hipótese de retenção deveria ser consistente, como dissemos, com menor poder de
barganha dos trabalhadores, e isto deveria se traduzir em desaceleração dos
ganhos salariais. Novamente, porém, os dados apontam em sentido oposto. De acordo
com o IBGE, o rendimento nominal habitual dos trabalhadores em fevereiro
elevou-se 10,3% em relação a igual período do ano passado, e manteve-se em
trajetória de aceleração pelo quarto mês consecutivo.
Em suma,
estamos de acordo com a visão de que uma análise cuidadosa sobre o grau de
aperto do mercado de trabalho deve considerar não apenas a taxa de desemprego,
mas um conjunto mais amplo de indicadores. Concordamos também que a hipótese de
retenção de trabalhadores tem sentido teórico e implicações potencialmente
importantes em termos de política econômica. Contudo, os dados apontam um
quadro em que o desemprego nos menores níveis da história se faz acompanhar de
elevação da jornada de trabalho, intenso movimento de contratações e demissões
e aceleração dos ganhos salariais. Ao analisar um conjunto mais amplo de
indicadores, portanto, concluímos que o mercado de trabalho está de fato muito
apertado, provavelmente mais do que poderíamos supor se considerássemos apenas
a taxa de desemprego em sua mínima histórica.
Alexandre
Bassoli e Eduardo Marques são economistas do Opportunity Asset Management.
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