terça-feira, 31 de julho de 2012

Uma Analise do Mercado de Trabalho no Brasil


Do Valor Econômico
Os dados do IBGE mostram continuidade da tendência declinante da taxa de desemprego no 1º trimestre deste ano. Em fevereiro a taxa atingiu 5,7%, 0,7 ponto percentual abaixo do verificado em igual período de 2011. Em termos sazonalmente ajustados a taxa de fevereiro não é apenas ligeiramente inferior à de janeiro como a menor de toda a série histórica, iniciada em 2002. O recuo do desemprego não é propriamente algo novo no Brasil. Desde 2003, a tendência tem sido declinante durante a maior parte do tempo. Contudo, a persistência da queda nos meses recentes é algo surpreendente à luz do arrefecimento da atividade econômica em 2011, notadamente na segunda metade do ano. Como em geral o mercado de trabalho reage com certa defasagem ao ciclo econômico, pareceria natural que houvesse alguma reversão da queda do desemprego. Talvez isto ainda ocorra nos meses à frente, mas os números recentes têm sido recebidos, de qualquer forma, com certa surpresa.
Diante disso, alguns analistas tem sugerido que a elevação do desemprego teria sido impedida pela resistência das empresas em demitir. Segundo essas análises, mesmo diante de menores níveis de demanda e ajustando para baixo seus níveis de produção, as firmas teriam optado por não demitir. Isso se justificaria pelos elevados custos de demissão e contratação, em um contexto em que haveria percepção de uma desaceleração apenas temporária da atividade econômica. As empresas prefeririam, então, reduzir as horas trabalhadas (por exemplo, cortando horas extras ou promovendo férias coletivas), mas manter inalterado o seu quadro de funcionários.
Tal hipótese, caso se revelasse correta, teria duas implicações importantes. Em primeiro lugar, o mercado de trabalho estaria menos apertado do que poderíamos supor se considerássemos apenas a taxa de desemprego. Alguns trabalhadores, embora mantendo seu emprego, estariam produzindo menos do que poderiam, por estarem parcialmente ociosos. Caso houvesse uma nova fase de aceleração da demanda, deveríamos esperar que as firmas pudessem elevar seu nível de produção sem que fosse necessário expandir o nível de emprego.
Análise sobre aperto do mercado de trabalho deve ter um conjunto de indicadores, não apenas a taxa de desemprego
Em segundo lugar, argumentam esses analistas, o poder de barganha dos trabalhadores deveria ser função não apenas da taxa de desemprego, mas do grau de ociosidade do mercado de trabalho em termos mais amplos. Por exemplo, trabalhadores que se veem em férias coletivas se sentiriam menos confiantes para reivindicar aumentos salariais do que se estivessem sendo chamados a expandir sua jornada através de horas extras. Nesse sentido, deveríamos esperar que, mesmo com a taxa de desemprego muito baixa, houvesse uma diminuição das pressões salariais.
Estamos de acordo com as duas potenciais implicações da eventual resistência à demissão pelas firmas, à qual chamaremos de hipótese de retenção. Resta avaliar, contudo, se há evidências de que este fenômeno esteja, de fato, acontecendo. Deveríamos esperar, caso houvesse retenção, que o baixo desemprego fosse acompanhado de alguma redução da jornada de trabalho. Contudo, os dados não apontam nessa direção: nos dois primeiros meses deste ano a média das horas habitualmente trabalhadas por semana apresentou, de acordo com o IBGE, ligeira elevação em relação a igual período do ano passado. Ao contrário do que deveríamos supor em um cenário de retenção, não parece haver evidências de que as firmas estejam utilizando seus trabalhadores de forma menos intensa.
Adicionalmente, deveríamos esperar que as firmas, embora resistissem a demitir seus trabalhadores, se mostrassem menos propensas a fazer novas contratações. Afinal, qual seria a razão para incorrer nos elevados custos de contratação se o quadro atual já estivesse com ociosidade anormalmente alta? Ocorre, porém, de acordo com os dados do Caged, que as contratações nos dois primeiros meses deste ano estiveram 1,6% acima do nível verificado em igual período do ano passado. Adicionalmente, os dados do Caged nos mostram as demissões em níveis historicamente também elevados. Vemos, portanto, um quadro em que o nível de emprego cresce em meio a intensa atividade de contratações e demissões, que denota grande dinamismo no mercado de trabalho e não parece ser compatível com um contexto no qual as firmas manteriam seus trabalhadores apenas para evitar os custos elevados de demissão e contratação.
Por fim, a hipótese de retenção deveria ser consistente, como dissemos, com menor poder de barganha dos trabalhadores, e isto deveria se traduzir em desaceleração dos ganhos salariais. Novamente, porém, os dados apontam em sentido oposto. De acordo com o IBGE, o rendimento nominal habitual dos trabalhadores em fevereiro elevou-se 10,3% em relação a igual período do ano passado, e manteve-se em trajetória de aceleração pelo quarto mês consecutivo.
Em suma, estamos de acordo com a visão de que uma análise cuidadosa sobre o grau de aperto do mercado de trabalho deve considerar não apenas a taxa de desemprego, mas um conjunto mais amplo de indicadores. Concordamos também que a hipótese de retenção de trabalhadores tem sentido teórico e implicações potencialmente importantes em termos de política econômica. Contudo, os dados apontam um quadro em que o desemprego nos menores níveis da história se faz acompanhar de elevação da jornada de trabalho, intenso movimento de contratações e demissões e aceleração dos ganhos salariais. Ao analisar um conjunto mais amplo de indicadores, portanto, concluímos que o mercado de trabalho está de fato muito apertado, provavelmente mais do que poderíamos supor se considerássemos apenas a taxa de desemprego em sua mínima histórica.
Alexandre Bassoli e Eduardo Marques são economistas do Opportunity Asset Management.

Nenhum comentário: